Heráclito de Éfeso, no século VI a.C., usou o rio como imagem da história em seu sentido mais amplo: o próprio fluxo da existência. A renovação permanente das águas do rio, que ao mesmo tempo persiste como uma unidade definida pelas suas margens, indica o jogo complexo entre mudança e continuidade que pode ser observado em tudo o que o acontece no mundo, tanto interior quanto exterior. A trajetória do músico Steve Tallis e seu mais recente album musical reflete essa metáfora do filósofo grego. De suas brincadeiras na escola com amigos ao espetáculo que o convenceu que ser artista era o sonho da sua vida, o currículo musical desse artista multifacetado é extenso, Steve começou a tocar em 1962 e a escrever canções em 1969 e desde então nunca mais parou.
Com uma rica produção de músicas, samples e espetáculos solo e em grupo, Steve Tallis conversou com exclusividade com Correspondance Magazine® para nos falar do lançamento de seu novo CD “Where many rivers meet”, em tradução livre, “Onde muitos rios se encontram” e nos contar suas peripécias musicais como compositor e cantor solo. “Minha vida artística nunca parou realmente, exceto nesses últimos meses com o vírus Covid19, mas continuo compondo músicas até hoje.” O álbum que nasceu durante uma pausa na carreira devido a pandemia é muito pessoal, de acordo com o artista, é “apenas mais um capítulo da minha vida” que rima com persistência, dedicação e amor à música. “Meus pais me levaram para ver Louis Armstrong e Trini Lopez no Capitol Theatre, o principal teatro para músicos em turnê em minha cidade natal Perth, Austrália Ocidental, em fevereiro de 1963. Saí daquele show e disse à minha mãe que seria músico pelo resto da vida,” confessa.
Quanto tempo você levou para planejar seu álbum “Where many rivers meet”?
– Fazia cerca de 5 anos desde meu álbum anterior “The First Degree”. Basicamente, queria gravar um álbum solo, já que a maior parte do meu trabalho ao vivo é solo. Sempre gravo a primeira tomada ao vivo. Essa é minha filosofia. Sem overdubs. Se as músicas funcionam, mantenho a gravação. Gravei 39 músicas em 10 horas.
Qual o conceito dessa coletânia?
– Tenho um repertório enorme – cerca de 400 originais e milhares de outras canções. A ideia original era lançar um conjunto de 2 CDs, já que geralmente lanço tudo que gravo mas mudei de ideia e escolhi 25 das melhores e mais interessantes performances. O objetivo era reunir uma mistura de originais com um total de 16 faixas, algumas canções gospel e outras interpretações de canções Blues que gosto. Também queria que o álbum refletisse como seria um show ao vivo. Esse projeto foi criado basicamente para conseguir trabalho, já que tocar ao vivo para mim é o real sentido da música.
Quais foram as etapas para a preparação deste álbum? Conte-nos um pouco sobre a pesquisa que você fez para esse projeto.
– Nunca entro em estúdio de gravação a menos que esteja 100% pronto mental, espiritual e fisicamente. Algumas músicas não foram finalizadas porque gosto de fazer músicas espontaneamente. Algumas canções foram escritas alguns dias, semanas antes da gravação. Estou sempre compondo canções – escrevi quase 18 canções novas desde a gravação do álbum e trabalho de uma maneira antiquada, escrevendo tudo à mão, tenho muitos cadernos com minha canções registradas manualmente. Nunca uso o computador para compor canções, para ouvrir sim, para compor não. Registro novas ideias no meu celular atualmente porque é conveniente e, em seguida, carrego no meu computador para ouvrir, editar e excluir o que não considero interessante. Estou sempre mudando minhas músicas e penso que uma melodia nunca está necessariamente concluída apenas porque foi gravada. Se penso em letras mais interessantes quando estou no palco, também as modifico.
Qual foi o seu maior desafio em organizar este álbum durante este ano pandêmico?
– O mais difícil foi não poder realizar shows ao vivo, porque a maioria das minhas vendas acontecem durante esses eventos. Também sinto a necessidade de me apresentar para o público ao vivo, espiritualmente falando. Quanto mais toco, mais me sinto saudável em todos os sentidos – espiritualmente, fisicamente, mentalmente.
Como você encontrou ideias para incluir nesta coleção de música?
– Não tenho problemas com inspiração meu único desejo é continuar compondo novas músicas e tocando ao vivo – e lançando álbuns sempre que possível.
Qual é o seu fato favorito sobre “Where many rivers meet” e por quê?
– O fato de ser tão cru, emocionalmente e apaixonadamente sincero, que compila uma escolha com misturas interessantes de músicas. Sou uma pessoa muito reservada, mas musicalmente me abro e me expresso sem reservas. Tocar em solo também me dá total liberdade – e gosto do fato de que você não pode se esconder atrás de nenhum outro músico. Você fica nu musicalmente falando. Acredito em total liberdade, tanto para mim como para todos os meus músicos.
Quando aconteceu e como foi a sua primeira experiência como músico profissional?
– Minha primeira gravação foi em 1968 e sempre tive em mente certas filosofias sobre o que e como queria tocar música. Por exemplo, não fazíamos nenhum ensaio, tudo era gerado com muita improvisação e muitos músicos diferentes, aliás, vários deles se encontrando pela primeira vez no palco. Ainda mantenho essa filosofia. Conheço músicos ao redor do mundo e estou aberto a tocar com músicos que conheço em festivais. Já fiz isso muitas vezes, inclusive na Índia, Paquistão, África, México, Nova York. Basicamente, fiz parte de bandas por muitos anos até 1975, quando comecei a trabalhar solo, porque tinha o desejo de interagir com músicos de outros horizontes e tocar minha própria música.
Quais os seus próximos projetos?
– Tenho feito muitos samples em todo o mundo, graças às extensas redes que construí ao longo de muitos anos em muitos países. Estou esperando por novas oportunidades de turnês futuras, particularmente na Europa.
Por que é importante para você compartilhar sua música com o público?
– Para mim, música é para ser compartilhada com outros seres humanos. Acredito que a música é uma força de cura poderosa e certamente me curou e me manteve vivo ao longo de todos esses anos. Nada se compara a tocar música juntamente com um público, especialmente em ambientes mais intimistas. Já fiz apresentações para 30.000 pessoas na Índia mas prefiro concertos menores, mais íntimos, incluindo shows privados em apartamentos para ocasiões especiais, etc.
Qual é a parte mais gratificante da música para você?
– A música é minha paixão, minha vocação, minha vida. Vou tocar música até o dia ou a noite em que morrer. É essencial para mim, é como oxigênio.
Existe uma explicação para justificar seu amor pela música?
– Música é vida, ela me comove, me toca, me cura e é isso que desejo fazer aos outros seres humanos com a minha música. Escuto música desde que nasci. Meus pais me levavam para piqueniques, bailes quando eu era criança e me colocavam perto dos músicos e eu ficava feliz e tranquilo.
Olhando para o quadro geral, que valor a música oferece à sociedade no mundo moderno em sua opinião?
– Para mim, a música é uma parte essencial da vida. Infelizmente, nos dias de hoje, a música como aurte e como profissão foram desvalorizadas – principalmente devido ao streaming na Internet (os royalties pagos aos músicos são um insulto, na minha opinião). Muitas pessoas querem música de graça – ao vivo e gravada o que, para mim, é ridículo. Valorizo o que faço e valorizo a música em geral e não poderia viver sem música.
Já que você trabalha compulsivamente com música , você está desenvolvendo novos temas musicais para outro projeto?
– Já escrevi 18 músicas novas desde a gravação desse álbum, mas prefiro continuar compondo e ver o que acontece. Posso fazer um álbum com uma banda ou posso fazer outro projeto solo. O que é importante para mim é voltar para a estrada e fazer shows, turnês, espetáculos ao vivo. Tocaria todas as noites se pudesse. Esse exercício musical me deixa mais feliz, mais forte mentalmente, fisicamente e espiritualmente.
Por que é importante para você compartilhar essa paixão pela música com o público?
– Para mim, música é para ser compartilhada com outros seres humanos. Acredito que ela é uma força de cura poderosa e certamente me curou e me manteve vivo até hoje. Nada se compara a tocar música com o público, especialmente em ambientes íntimos. Já me apresentei para 30.000 pessoas na Índia e mais de uma centena muitas vezes na minha vida – o que gosto – mas prefiro shows menores, incluindo apresentações personalizadas e privadas.
Qual é a parte mais gratificante de ser e viver de música para você?
– A música é minha paixão, minha vocação, minha vida. Vou tocar música até o dia em que viver. A música é essencial como oxigênio para mim.
O que você conhece sobre a música brasileira?
– Escuto música brasileira desde os anos 1960. Meu percussionista em alguns de meus discos, Gary Ridge, mora no Rio com sua esposa brasileira. Sempre quis fazer uma turnê por lá. Um dia espero que esse projeto se realize. Amo ritmo, então gosto de músicos como Olodum, Jorges Jen, Gilberto Gil, Bahia Black, Carlinhos Brown, Timbalada, João Gilberto, Milton Nascimento, Marisa Monte, Lenine, Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal, Maria Bethania, Elis Regina, Arnaldo Antunes, Arto Lindsay, Luiz Gonzaga e muitos mais. É um país que sempre me fascinou – culturalmente, musicalmente. Tenho certeza que seria uma experiência muito gratificante para mim tocar lá.
English Translation by Gary Ridge (from Portuguese):
In the 6th century BC, Heraclitus of Ephesus evoked the river as an image of history in its broadest sense, being the very flow of existence. The permanent renewal of the river’s waters, which at the same time persists as a single unit defined by its banks, indicates the complex game between change and continuity that can be observed in everything that occurs inside and outside of in the world. The trajectory of musician Steve Tallis and his most recent musical album reflects this metaphor from the Greek philosopher. From his games at school with friends to the show that convinced him that being an artist was his life’s dream, the musical curriculum of this multi-faceted artist is extensive, Steve commenced playing music in 1962 and writing songs in 1969 and he has never stopped since.
Possessing a rich catalogue of songs, samples, plus solo and group shows, Steve Tallis spoke exclusively with Correspondance Magazine® to talk to about the release of his new CD “Where Many Rivers Meet”, and tell us about his musical adventures as a composer and solo performer. “My artistic life has never really stopped, except in the last few months with the Covid19 virus, but I still write songs today.” The album, borne out of a career-break due to a pandemic is very personal, according to the artist, it is “just another chapter in my life” that rhymes with persistence, dedication and love of music. “My parents took me to see Louis Armstrong and Trini Lopez at the Capitol Theater, the main theater for touring musicians in my hometown Perth, Western Australia, in February 1963. I left that show and told my mom that I would be a musician for the rest of my life,” he confesses.
How long did it take you to plan your album “Where Many Rivers Meet”?
It’s been about 5 years since my previous album “The First Degree”. Basically, I wanted to record a solo album, since most of my live work is solo. I always record and go for the first live take. That is my philosophy. No overdubs. If the song works, I’ll keep that recording. I recorded 39 songs in 10 hours.
What is the concept of this collection of songs?
I have a huge repertoire – about 400 originals and thousands of other songs. The original idea was to release a CD double-set, since I usually release everything I record but I changed my mind and chose 25 of the best and most interesting performances. My aim was to bring together a mix of originals with a total of 16 tracks, some gospel songs and other interpretations of Blues songs that I like. I also wanted the album to reflect what a live show would be like. This project was created basically as a calling card to generate gigs, since playing live for me is the real meaning of music.
What were the steps in preparing this album? Tell us a little about the research you did for this project.
I never enter the recording studio unless I am 100% mentally, spiritually and physically ready. Some songs were not finished because I like to spontaneously create songs. Some songs were written just a few days, weeks before recording. I am always composing songs – I have written almost 18 new songs since recording this album and I go about it in an old-fashioned way, writing everything by hand, I have many notebooks with my songs manually noted. I never use the computer to compose songs, to listen yes, to compose no. These days, I register new ideas on my cell phone because it’s convenient, and then I upload it to my computer to listen, edit and or delete what I don’t find interesting. I am always changing my songs and I think that a melody is never necessarily finished just because it was recorded. If I think of more interesting lyrics when I’m on stage, I’ll change them too.
What was your biggest challenge in organizing this album during this pandemic year?
Not being able to perform live shows was the most difficult thing, because most of my sales happen during these events. I also feel the need to present myself to the public live, spiritually speaking. The more I play, the more I feel healthy in every way – spiritually, physically, mentally.
How did you find ideas to include in this music collection?
Finding inspiration is not my problem. My only desire is to continue composing new songs and playing live – and thus releasing albums whenever possible.
What is your favorite fact about “Where Many Rivers Meet” and why?
The fact that it is so raw, emotionally and passionately sincere, that it comprises a choice with interesting mixes of music. I am a very reserved person, but musically I open-up and express myself without reservation. Playing solo also gives me complete freedom – and I like the fact that you can’t hide behind any other musician. You are naked, musically speaking. I believe in total freedom, both for me and for all my musicians.
How was your first experience as a professional musician, and when did that occur?
In 1968, that was my first recording and I always had certain philosophies in mind about what and how I wanted to play music. For example, we didn’t do any rehearsing, everything was generated with a lot of improvisation and many different musicians, in fact, several of them met for the first time on stage. I still maintain that philosophy. I know musicians around the world and I am open to playing with musicians I know at festivals. I’ve done this many times, including in India, Pakistan, Africa, Mexico, New York. Basically, I was part of bands for a number years until 1975, when I started working solo, because I had the desire to interact with musicians from other horizons and play my own music.
What are your next projects?
I have done many samples around the world, this thanks to the extensive networks I’ve built over many years within many countries. I am now looking forward to new opportunities for future tours, particularly in Europe.
Why is it important for you to share your music with the public?
For me, music is to be shared with other human beings. I believe that music is a powerful healing force, and it has certainly healed and kept me alive over the years. Nothing compares to playing music to an audience, especially in a more intimate setting. I’ve performed for 30,000 people in India but I prefer smaller, more intimate concerts, including private shows in apartments for special occasions, etc.
What is the most rewarding part of the music for you?
Music is my passion, my vocation, my life. I will continue to play music until the day or the night I die. It is essential for me, tantamount to oxygen.
Is there an explanation to justify your love for music?
Music is life, it moves me, touches me, it heals me and that’s what I want to give to other human beings via my music. I’ve been listening to music since I was born. My parents took me on picnics and dances when I was a kid and when they put me up close to the musicians, I was happy and relaxed.
In your opinion, when looking at the big picture, what value does music offer to society in the modern world?
For me, music is an essential part of life. Unfortunately, nowadays, music as a hobby and as a profession have been devalued – this is mainly due to streaming on the Internet (the royalties paid to musicians are in my opinion, an insult.) Many people want music for free – live and recorded, which is ridiculous to me. I value what I do and I value music in general and I couldn’t live without music.
As you continue to work compulsively with music, are you developing new musical themes for another project?
I have written 18 new songs since the recording of this album, but I prefer to continue composing and see what happens. I can record an album with a band or I can do another solo project. What is important for me is to get back on the road and do shows, tours, live shows. I’d play every night if I could. This musical exercise makes me happier, stronger mentally, physically and spiritually.
What do you know about Brazilian music?
I’ve listened to Brazilian music since the 1960s. My percussionist on some of my records, Gary Ridge, lives in Rio with his Brazilian wife. I always wanted to tour there. One day I hope that this project will come to fruition. I love rhythm, so I like music of Olodum, Jorge Ben, Gilberto Gil, Bahia Black, Carlinhos Brown, Timbalada, João Gilberto, Milton Nascimento, Marisa Monte, Lenine, Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal, Maria Bethania, Elis Regina, Arnaldo Antunes, Arto Lindsay, Luiz Gonzaga and the list goes on. It is a country that has always fascinated me – culturally and musically. I’m sure it would be a very rewarding experience for me to play there.